Os novos sistemas de jogos — além do baralho e do dominó

Fernando Pasquini
5 min readNov 5, 2019

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Bem, aí vai mais um breve texto sobre jogos.

Você gosta de baralho? Uma das coisas mais interessantes sobre o baralho convencional é que ele não é especificamente um jogo, mas um “sistema de jogo”, ou seja, um conjunto de peças padronizadas (no caso, cartas) a partir do qual vários jogos são possíveis. Buraco, truco, porco, mexe-mexe — todo mundo conhece e já brincou bastante com alguns desses jogos.

É interessante pensar que a ideia básica é muito simples: cada carta é uma tupla formada por um número (ou letra) e um outro elemento de um conjunto fixo — no caso, os naipes. Até alguns crentes americanos, com aquela conhecida ideia de que as figuras e naipes do baralho tradicional são coisa “do capeta”, conseguiram resolver o problema trocando as cartas de figuras pelos números 11, 12 e 13 e os naipes por cores (amarelo, vermelho, verde e azul) (o baralho que ficou conhecido como Rook). É curioso também pensar que outros sistemas de jogos, como o dominó, seguem uma ideia parecida — só que, ao invés de cartas, pedras, e ao invés de uma tupla número-naipe, são uma tupla número-número.

Agora, uma das coisas boas da internet é oportunidade de conhecer e divulgar novas ideias sobre sistemas de jogos. Que outros tipos de elementos básicos, como cartas ou peças, podemos formar e, a partir dele, desenvolver jogos? Apresento a seguir uma lista das grandes ideias que têm surgido nos últimos anos.

1) Decktet
E se as cartas do nosso baralho tivessem não apenas um naipe, mas dois naipes? Decktet tem essa proposta. São seis naipes — sol, lua, água, folha, nós e cobras — e cada carta numerada apresenta uma combinação de dois deles. Isso permite a criação de jogos bastante interessantes como Adaman (parecido com Paciência), Corundum Conumdrum (jogo de vazas) e Jacynth (jogo de controle de área). Você pode encontrar os jogos aqui: http://wiki.decktet.com/

2) Piecepack / The Infinite Board Game
E se fizéssemos um conjunto padrão de peças envolvendo não cartas, mas pedaços de tabuleiro, marcadores e dados? Essa é a proposta do Piecepack, que já conta com vários jogos desenvolvidos e até uma competição anual para desenvolvimento de jogos. O jogo foi recentemente publicado como um livro chamado “The Infinite Board Game” e conta com jogos de todos os tipos. Alien City é um dos mais consagrados. Você pode encontrar a lista de jogos aqui: http://www.piecepack.org/

3) Looney Pyramids
Andrew e Kristin Looney tiveram a ideia de desenvolver jogos utilizando pirâmides de três tamanhos diferentes e várias cores. Hoje o sistema é publicado na caixa Pyramid Arcade e conta com 22 jogos, entre os quais alguns já possuem até campeonatos organizados, como Icehouse. É realmente impressionante o que se pode fazer com essas pirâmides. Outros jogos consagrados são Zendo (jogo de dedução) e Volcano (baseado no tradicional Mancala). Veja os jogos aqui: https://www.looneylabs.com/games/pyramid-arcade

4) Baralhos com cartas numeradas e sem naipe
Talvez essa não tenha sido invenção específica de alguém, uma vez que é fácil imaginar um baralho composto por 100 cartas, sem naipes, e cada uma com números de 1 a 100. Diversos jogos atuais são propostos com esse tipo de baralho, como o jogo popular alemão 6 nimmt e o recente The Mind. Dennis “The Badger”, um artista e designer gráfico de jogos de tabuleiro, recentemente publicou um baralho desse tipo e chamou-o de Rainbow Deck: https://boardgamegeek.com/boardgame/180559/badger-rainbow-deck

5) The Badger Deck
Falando em Dennis “The Badger”, o mesmo também teve a ideia de “expandir” o baralho tradicional com novos naipes e novas cartas de figura. O artista publicou seu The Badger Deck contando com cartas numeradas de 1 até 20, 10 figuras diferentes (rei, dama, valete, princesa, herói, monstro, mago, bruxa, bobo da corte e castelo), e 10 naipes (espadas, copas, paus, ouros, estrelas, luas, moedas, flores, pirâmides e morcegos) — e, para esses últimos, cada um com uma arte refletindo diferentes civilizações da humanidade (europa medieval, gregos, árabes, chineses, japoneses, egípcios e “monstros” — no caso dos morcegos).
Você pode me perguntar: ok, mas por que isso? Bem, existem iniciativas de desenvolvimentos de jogos para este baralho, mas o fato é que vários jogos atuais são simplesmente “subconjuntos” desse baralho maior, como os populares Tichu, Chimera, Lost Cities, Battle Line, Parade, Arboretum, etc. Os usuários do site BoardGameGeek fizeram uma lista de jogos de cartas que são subconjuntos do Badger Deck, que pode ser encontrada aqui: https://boardgamegeek.com/geeklist/174857/games-you-can-play-badger-deck.

Sei que existem alguns outros sistemas além desses cinco, como Green Box of Games ou mesmo o baralho Pairs, mas resolvi comentar apenas esses que creio que são os principais e mais conhecidos.

Talvez você ainda prefira os jogos de tabuleiro e carta individuais, o que é totalmente compreensível, uma vez que, nesses jogos, a arte e o design são feitos especificamente para eles, e isso faz muita diferença (na estética e jogabilidade). De fato, muitos dos jogos desenvolvidos para os sistemas acima estão longe de serem bons, e, como comentam várias pessoas, talvez sejam mais de interesse para designers de jogos. Ainda assim, os sistemas citados aqui são interessantes e podem constituir uma boa alternativa para quem quer “experimentar” várias ideias de jogos pagando pouco e usando poucos componentes.

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Fernando Pasquini

cristão | professor de engenharia | tecnologia e sociedade | música e jogos de tabuleiro | https://fernandopasquini.eng.br